sábado, 26 de novembro de 2011

Já tinha um mês e resolvi ir nessa festa com cara de festa de gente doida que você vai.
Toda pessoa de cabelo grisalho que entrava eu achava que era você. Assim como acho quando estou na rua, no supermercado, na fila do cinema, dormindo. Virei uma caçadora de pessoas grisalhas Virei uma caçadora de você em todas as pessoas. Então você chegou na festa. E eu apenas sorri e sorri e sorri. Porque era isso.
Eu queria te ver apenas. A dor numa caixinha embaixo dos meus pés e eu mais alta pra poder te abraçar sem dor, perto da sua nuca e por um segundo.
Eu te acho bonito de formas tão variadas e profundas e insuportáveis. Definitivamente, sua beleza me incomoda, muito!
Eu vejo você parecendo um leãozinho no fundo da festa. Suando e analisando. O rei escondido escolhendo a presa que não vai atacar. Com sua eterna tristeza cheia de piadas afiadas. Suas facas afiadas de graças para defender as tristezas que nadam baixas nos seus olhos de quem não quer fazer mal. Mas faz. Seus olhos. Em volta um riozinho melancólico e no centro o sol feliz e novinho chegando. E tudo isso vem forte como um soco de buquê de flores de aço no meu estômago.
E eu quero ir até você e te dizer que eu sei que você desmaia quando faz exame de sangue, que não suporta dor, que tofa vez que passa mal só liga pra mim. E como eu gosto de você por isso. E como eu queria tirar todo meu sangue em pé pra você jamais cair. E como eu gosto de você por causa do e-mail que você mandou pro seu amigo com problemas. Como gosto quando você lembra de alguém e precisa demonstrar naquela hora porque tem medo da frieza das suas distrações. Suas listas de culturas e atenções. Os vasinhos. Os vasinhos coloridos da cozinha me matam. A história do milagre que te salvou da queda da estante. Você arrepiado falando em anjos. Essas suas delicadezas em detalhes dormem e acordam comigo. Acariciam e perfuram meu peito vinte e quatro horas por dia. Uma saudade dos mil anos que passamos, ou das três semanas. A loucura de gostar tanto pra tão pouco ou simplesmente a loucura de tanto acabar assim.
Fora tudo o que guardei de você, me restou a consideração que você guardou por mim. Sua ligação depois, quando me encontra. Sua mão estendida.
Sua lamentação pela vida como ela é. Sua gentileza disfarçada de vergonha por não gostar mais de mim. A maneira que você tem de pedir perdão por ser mais um cara que parte assim que rouba um coração.
Você é o mocinho que se desculpa pelo próprio bandido. Finjo que aceito suas considerações mas é apenas pra ter novamente o segundo. Como o segundo do meu nariz na sua nuca quando consigo, por um segundo, te abraçar sem dor. O segundo do seu nome na tela do meu celular. O segundo da sua voz do outro lado como se fosse possível começar tudo de novo e eu charmosa e você me fazendo rir e tudo o que poderia ser. O segundo em que suspiro e digo alô e sinto o cheiro da sua sala. Então aceito a sua enorme consideração pequena, responsável, curta, cortante. Aceito você de longe. Aceito suas costas indo. Aceito o último cacho virando a esquina. O último fio preso no pé da minha cama. Não é que aceito. Quem gosta assim não come migalhas porque é melhor do que nada, come porque as migalhas já constituem o nó que ficou na garganta. Seus pedaços estão colados na gosma entalada de tudo o que acabou em todas as instâncias menos nos meus suspiros. Não se digere amor, não se cospe amor, amor é o engasgo que a gente disfarça sorrindo de dor. Aceito sua consideração de carinho no topo da minha cabeça, seu dedilhar de dedos nos meus ombros, seu tchauzinho do bem partindo para algo que não me leva junto e nunca mais levará,
seu beijinho profundo de perdão pela falta de profundidade. Aceito apenas porque toda a lama, toda a raiva, todo o nojo e toda a indignação se calam para ver você passar.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Ele comia a professora de Power Ioga do 43, comia a ex-semivirgem que de tão magra a gente via os pêlos pubianos, porque o osso da bacia levantava o biquíni, e comia até a Rose, mãe da Paulinha, mulher casada havia doze anos e meio e que vivia suspirando e esticando os pés de galinha no espelho do elevador.Um belo dia, o porteiro encheu os olhos de via e contou pra minha empregada: “Ele comeu a dona Silvia na escada do prédio”.Dona Silvia não prestava nada, até cantavam pra ela da quadra lá de baixo: “Ô Siiiilvia, piraaaaanha”. Coisa que os pais devem ter ensinado, porque essa música é velha demais para estar na boca de adolescentes espinhentos que batem Playstation todos os dias. O fato é que o porteiro encheu muito os olhos de vida e continuou: “deu pra ver tudo pela câmera de segurança ela ficou de quatro e ele mandou ver.. uma, duas, três vezes”.Não sei ao certo que máquina sexual em forma de vizinho pagava uma caixinha para o porteiro sair falando pelo prédio espalhando tantos elogios ao seu desempenho, e por isso mesmo comia todo mundo, ou se aquilo era apenas uma conversa corriqueira na porta da minha cozinha, entre uma canção e outra da rádio Evangélica da Maria. Só sei que comecei a gostar tanto do papo que até sentei para ouvir melhor.O porteiro soltou uma imensa gargalhada, transbordou de vez uma louca vida dos seus olhos, e concluiu: “antes de largar a dona Sílvia lá, caída no chão, ele fez um tchauzinho para a câmera de segurança, a gente tava tudo lá, e os outros, e aplaudimos o seu Flávio de pé.

Eu não precisava ouvir mais nada, estava decidido, ia dar pra esse cara, esse cara era o cara, era o comedor, era o homem perfeito para gente se divertir um pouco enquanto o amor não vem. Era o cara capaz de esquecer o romantismo e celebrar a vida mundana.Sim, eu sou uma nova mulher, uma mulher que faz curso de astrologia, ioga, meditação, mitologia. Uma supermulher decidida a morar sozinha, a ser feliz sozinha, decidida a viajar pela Europa, decidia a nunca mais ter emprego idiota que não permita cursos divertidos, viagens e curtir a minha plena existência. Independente, espiritualizada, analisada, madura… mas francamente: o cara mandou uma, duas, três na escada, e ainda deu tchauzinho para as câmeras? Que se dane o espírito e a evolução, meu ego precisava trepar com esse ser divino e pronto.

Usei a minha tática predileta para comer um homem: um dia, como quem não quer nada, numa dessas cruzadas pelo estacionamento do prédio, comentei que era escritora. Não sei explicar o que acontece quando um cara descobre que eu escrevo, é mais de meio caminho andado para querer desesperadamente me conquistar.Não sou promoter da Lótus nem faço “superinsane guetto no brain mega popstar da super gatas iradas da festa do branco do Sirena”, sou apenas uma escritora que sente a bunda flácida de frente pro laptop e escreve a porra do dia todo. Mas eles não estão nem aí, eles querem comer minhas personagens, minhas putarias, minhas neuroses a fotinha que sai na coluna da VIP, minhas fãs do Orkut, minhas estranhezas, o glamour da licenciatura, sei lá… “Uma loirinha jeitosinha e ainda sabe escrever mais de um parágrafo sem falar ‘tipo assim, irado’? Desse tipo assim ainda não experimentei”.Não deu outra. No mesmo dia, provavelmente após ele ter lido alguma coisa minha (claro que dei todas as pistas), chegou um longo e-mail com mil elogios à minha sensibilidade e um amável convite para irmos jantar no dia seguinte.Topei e corri para o armário: o homem deu uma, duas, três na escada e ainda deu tchauzinho para as câmeras merecia a produção mais sexy do mundo. Achei estranho quando as flores chegaram pela manhã e mais estranho quando ele abriu a porta do carro para mim. Mas tudo bem, daqui a pouco, o macho animalesco ia surgir e me comer em cima do capô, atrás da igreja ou no banheiro do restaurante. Aquilo tudo era figuração para prorrogar o clímax e torná-lo ainda mais feroz.Fez questão de pedir um vinho chique de uma uva sul-africana chique e ainda pediu que acendessem as velinhas da nossa mesa. Segurou nas minhas mãos, brilhou os olhos e falou cheio de ternura: “ontem você me fez chorar”.Não, não, ele só pode ter confundido o verbo, provavelmente quis dizer: me fez gozar, me fez ficar louco, me fez ter que dar uma, duas, três no banho, me fez qualquer coisa mais animadinha… mas chorar?Ele continuou: “sabe, não agüento mais essas conquistas vazias pelo mundo afora, o sexo sem alma, a falta de companhia inteligente para uma vida”.Mas justo na minha vez? Poxa, a professora de ioga tinha gritado tanto na sauna que deu pra ouvir até no quarto andar seus mantras. Depois ele desvirginou a modelete ossuda que vivia pagando de gatinha e até eu queria pegar, depois quebrou o galho da Rose que via o mesmo pinto mole havia mais de doze anos, e fechou com chave de ouro comendo a Silvia, tal qual uma cadela. Justo na minha vez ele queria filminho do Hugh Grant embaixo do edredom?
O que eu tinha feito para merecer tanto desprezo?“Olha, eu vi em você o que sempre procurei em uma mulher: profundidade”. Então, amigo, isso mesmo, profundidade, não vai querer conhecer a profundidade agora embaixo da mesa?Ele passou a noite toda olhando nos meus olhos, sem desviar um segundo para meu decote, Contou da separação dos pais, da dificuldade da irmã em engravidar (aproveitando para deixar claro que está louco para ser pai) e quanto amava os cachorrinhos, a natureza e o amor.Quando finalmente chegamos juntos ao elevador do nosso prédio, ele apertou seu andar e o meu, matando de vez qualquer esperança de ser devorada loucamente aquela noite. Se despediu com cara de bobo e ainda mandando mensagem de texto pelo celular quando eu já estava frustradamente deitada na minha cama: “foi uma das melhores noites da minha vida”.Dormi mais uma vez me sentindo usada pelos homens.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

"Há meses não havia sol, ninguém mandava notícias de lugar algum, o dinheiro estava no fim, pessoas que eu considerava amigas tinham sido cruéis e desonestas. Pior que tudo, rondava um sentimento de desorientação. (...) Eu sentia profunda falta de alguma coisa que não sabia o que era. Sabia só que doía, doía. Sem remédio."


(Existe sempre alguma coisa ausente. Caio F. in: Pequenas Epifanias. Ed. Agir, p. 100-101)

terça-feira, 8 de novembro de 2011

O choro secou.

O choro secou. Um outono doce impera com seu aconchego de amor e lucidez, suaves. E esse abraço aveludado que chegou repentinamente, num calorzinho de cuidados e curas. Não restam mais feridas. A dor perdeu seu lugar na minha rotina e foi procurar outros rumos. Tenho novos sonhos e um sono novo e profundo. Suavemente tudo mudou de ritmo e celebrei o tempo de cada novo passo. A princípio tive tanta ansiedade, porque tudo parecia um turbilhão, mas de que adianta tentar pular aprendizados? Se é de poesia que o poeta precisa, vamos a ela e não mais à repetição de uma melancolia eterna e bem aprimorada. Chuva e sol, calor e frio: eis o equilíbrio da vida. Se eu nasci com o sorriso mais largo do mundo, não vou entristecer o meu olhar nem anestesiar minha alegria. O choro secou. Já era tempo de prestar mais atenção em outras cores, promover como prediletas outras flores e entrar no mar sem medo, furando a onda com respeito e repetindo a cena com entrega e confiança. Nada ficou fragmentado. Saí inteira e o amor em mim transborda: pele aceitando carícia, olhar brilhando com a menor das delícias. O toque é novo e a respiração tranqüila. Às vezes ainda ofego um pouco, mas quem disse que artista nasceu para sentir pouco? Importante agora é que o choro secou. Antes o meu pranto era cego. Tive que olhar longamente no espelho pra saber o que ainda poderia resgatar de mim. Não quis nada do que restou, quis o meu sorriso novo, minhas portas abertas e a vontade de saltar novamente no desconhecido. E hoje eu só choro se for de alegria.

A mudança necessária.

Talvez haja muita acidez na lucidez, talvez haja a percepção de detalhes das belezas que nunca reparamos. Quando estamos num turbilhão emocional, as imagens turvas pedem anestesias e a gente acha que obtém algum controle sobre as coisas, porque pensamos que podemos deixar pra cuidar da nossa vida amanhã. Mas à medida que protelamos nossa transformação, à medida que adiamos nossa mudança, adiamos também uma forma nova de sentir outras alegrias. E fechamos os olhos pra quem está ao lado, ou banalizamos um possível encontro que poderia desencadear uma história mais bonita. Ter a felicidade como um propósito, é a coisa mais difícil que conheço. Estamos sempre fugindo de nós mesmos e nos julgamos espertos demais com a porção de pequenas mentiras que nos inventamos. Mas a angústia que vem disso não nos deixa esquecer que só estamos adiando um processo precioso e delicado demais já que podemos continuar nos anestesiando. É preciso estar pronto, mas estar pronto também é transitório. E é preciso lucidez e coragem pra enfrentar o nosso pior inimigo: nós mesmos. Admitir que estamos nos fazendo mal com alguns hábitos ou relacionamentos destrutivos é assustador. E muitas vezes a sensação de impotência é o que impera. Somos imediatistas demais e não queremos sentir dor. Camuflamos nossa infelicidade da forma mais adequada que podemos. E passamos boa parte da vida sendo quem não somos. Até que nos esquecemos de quem somos e vivemos aquela máscara social por tempo demais, mas sempre com aquela sensação de que alguma coisa está fora do lugar, nutrindo relações vazias e breves com medo de sermos descobertos.

Quando entrei em reclusão para organizar o que estava fora do lugar, tive uma das piores sensações da minha vida: era uma espécie de crise de abstinência e a bagunça estava tão arraigada que eu não sabia por onde começar a arrumar as coisas. Foram noites e dias enfrentando a vida de peito aberto, e sangrava. Eu chorava baixo e pedia paciência. E tinha pesadelos todas as noites. Acordava cansada e com o olhar mais triste que já tive.Até que tudo foi se ajeitando aos poucos, dentro do meu tempo e dos meus limites. Eu estava num processo de cura e não percebia.Mas estava buscando avidamente ser quem eu realmente era, ou pelo menos, melhor.

Hoje, eu consigo olhar pro meu passado como uma espectadora. E apontar cada detalhe e cada erro e acerto e cada instante e sensação e fuga. As projeções que fiz, as dependências que criei, as compulsões que tive, hoje são um presente de maturidade e otimismo. Porque comecei a atrair pessoas, histórias e assuntos mais leves, saudáveis. E criei pra mim uma rotina de paz, e deixei de admirar muita gente e a apreciar outras.E vivi muita solidão, muita solitude, muito aconchego também.

Hoje sou tão grata por tudo que doeu, por tudo que sangrou, pelo sono perdido. Retomei o controle da minha vida e estou sendo amada de uma maneira que me deixa mais segura. Perdi meus medos, sobrou apenas a minha fobia de altura. E, por menos que eu tenha escrito, a poesia sempre esteve em mim.

Brindo com vocês esta fase nova em que ,finalmente, conheci a tranqüilidade. Se eu tinha esquecido desta frase, hoje eu posso repetir com o coração cheio de certeza: TUDO VAI DAR CERTO SEMPRE, porque a vida se encarrega das coisas e ela nos compensa com ela mesma.


Obrigada a vocês, ao Universo e a todos os amigos que respeitaram minhas etapas com compreensão e paciência. E obrigada também a mim, que tive coragem e escolhi sobreviver a tudo.
Eu sei que não foi você que desarrumou minha vida e fez essa bagunça toda que tive que arrumar gradualmente enquanto cuspia minha raiva, minha dor, mas, por favor, para entrar aqui agora é preciso pés descalços e nenhuma armadura. É por eu não ter deixado de confiar nas pessoas que te peço isso. Não existe tristeza em mais nenhum canto desta casa, tudo foi limpo e adornado com amor, saiba receber esta dádiva. Não quero saber agora o que você traz do seu passado enquanto a água do chá ferve, e também não me pergunte o que me aconteceu para que eu esteja assim, tão direta. É possível que eu te convide pra dormir aqui esta noite ou te mande embora às três da manhã, espero que não se aborreça ou crie expectativas enquanto ponho a erva doce na água quente. Eu não tenho açúcar, empedrou desde que. Enfim, você quer com ou sem adoçante? Não me prometa nada, eu vivo um dia de cada vez, só tenho memória recente. Sobre ontem, pouco lembro, sei que fui dormir e antes conferi se todas as portas estavam trancadas e se eu estava feliz. Também sei que ainda era cedo, e que fazia muito frio. Mas, sim, eu estava feliz.

Vou deixar apenas a luz do abajur acesa, e o seu cd de jazz tocando bem baixinho pra que eu escute como foi seu dia e o que você gosta de ler. Não é que eu não goste de me expor, mas a semana passada já faz muito tempo pra mim. Mas se te interessa saber, meu coração está desocupado e eu gosto quando você me abraça forte. Talvez isto seja o suficiente para que você chegue mais perto de mim e conviva sem se incomodar com o silêncio que eu carrego nos olhos. O que me atraiu em você foi a sua beleza física com esta sensibilidade e inteligência juntas.Mas aprendi a descartar até essas qualidades em um homem se não houver essa nudez de alma. Os inteligentes podem ser muito espertos e cruéis. Os bonitos podem ser uns tolos. E os sensíveis, muito dramáticos. Eu não estou endurecida, só aprendi a observar com certa malícia, preservo minha inocência, mas me arrancaram a ingenuidade à força, disso eu lembro. Não me fizeram mal algum, nada que não houvesse a permissividade da minha carência. A responsabilidade também foi minha. Você está confortável nesta posição? Aprendi a me enroscar num outro corpo como se eu fosse uma extensão dele. Eu gosto de me aninhar no afeto, nasci para ser acariciada antes, durante e depois do sexo. Mas hoje talvez eu queira que você vá pro seu apartamento_ me deu vontade de escrever alguma coisa sobre a sua voz, antes que ela fique no passado.

Se quiser esquecer seu cd, talvez eu te convide pra jantar amanhã. E te leia alguma coisa mais doce que aquele açúcar empedrado. É que eu ainda não esqueci como se escreve o começo de um romance. Só aprendi que o interesse do leitor vai depender da minha primeira frase.

Então eu prefiro que você volte amanhã. É que eu preciso sentir saudade antes de me apaixonar.