quarta-feira, 16 de março de 2011

É melhor buscarmos a paz e o exercício do amor ao próximo.

"Tendemos a atribuir a Deus tudo que nos transcende, que pode nos engolir. Não sou nietzscheana, nem marxista e nem mesmo freudiana ortodoxa. Acredito em fenômenos naturais, sim, é claro. Eles estão aí pra ninguém poder duvidar que existam e possam nos embalar ou nos destruir, como acontece com um lindo pôr de sol ou uma tsunami.
Também não creio que se possa confiar cegamente na ciência e seus saberes, sempre um tanto precários e expostos a mudanças. Os próprios cientistas (especialmente os melhores) tratam com ceticismo ou ao menos com reserva qualquer assertiva mais radical sobre o assunto.
Mas então, a quem ou a que atribuir esses fenômenos arrasadores, como os da serra fluminense e, pior ainda, os do Japão? Se fossem castigo para os homens orgulhosos e cheios de si, a gente até entenderia. E os inocentes que se perdem no meio da catástrofe? E as vidas de gente boa, trabalhadora e ordeira, que não causa mal a ninguém nem se julga dona de verdade nenhuma?
E as crianças que se apagam no meio disso tudo?
Nunca afirmo nada a esse respeito, porque simplesmente acho que não sabemos de nada.
A coisa acontece, é preciso tratar de quem sobrou, minorar as perdas e o desespero dos que não aguentam o peso da desgraça, dar abrigo e comida a quem ficou sem. Acho que os fenômenos naturais acontecem... naturalmente. Acredito que pertencem à mesma ordem que deu origem às diferentes eras da Terra, à mesma ordem que traz o sol e as chuvas, não importando sua intensidade, faz desmoronar encostas pela força da água e fez surgirem o Universo e as galáxias, tantas das quais inacessíveis para nós.
Deus tem alguma coisa a ver com isso? A resposta está além de meu fraco entendimento. Se Esse Ser sobrenatural pôde mesmo criar tudo que existe, se é Ele que decide vida e morte, saúde e doença, não serei eu (nem qualquer semelhante meu) quem vai poder explicar, entender, afirmar ou negar. E no entanto, quanta gente afirma e nega coisas a respeito de Deus. É como se tivessem convivido longamente com Ele, conhecessem seu caráter, temperamento e até a eternidade em que se instala. Uns dizem que é infinitamente bom, outros, ao contrário, que é mau e vingativo. Era assim no antigo testamento e em algumas religiões mais primitivas.
Acontecem ainda coisas a que se convenciou chamar milagres: acontecimentos inesperados, que pareceriam impossíveis a nosso entendimento. A maioria deles talvez não passe de embuste, encenação ou ilusionismo. Verdade que não encontramos explicação possível para alguns poucos desses acontecimentos. É claro que há caminhos desconhecidos para nossos olhos, forças com as quais não estamos familiarizados e que nos assustam ou deslumbram por seu alcance. E daí? O que se pode afirmar ou negar com base nelas?
A bondade, o poder ou a sede de justiça que se atribuem a Deus podem bem ser a idealização de sentimentos humanos. O melhor é trabalhar o que existe em nós, desenvolver nossa capacidade de amar, ajudar e compreender, evitar que algum poder nos suba à cabeça e tentar exercer o que nos parece ser a justiça em sua acepção mais plena, a começar pela paz – o que não é nada fácil, mas é possível. E se Deus estiver mesmo nos assistindo, talvez fique contente. [E de fato está nos assistindo]"