quinta-feira, 7 de abril de 2011


Ainda lembro, foi num Dia dos Namorados. Eu caminhava na rua com um pacotinho de papel pardo cheio de doces, por entre pessoas andando em par, com as auras azuis em volta das cabeças apaixonadas, em abraços empacotados, um tronco contra o outro, risos contra o vento, todos a favor da data, trocando presentes, procurando nomes aos pares em reservas de restaurantes cheios de sombra. A cidade sempre cinza, era púrpura. Eu também queria. Aí eu imaginei você. Imaginei você com uma voz opaca e doce, a pele dos ombros franzinos com a alça caindo e o cheiro da rua com o perfume da noite. Mentalizei seu olhar eternamente abandonado de saudade de alguma coisa que nem você sabe direito o que é, mas que me faz saber pra quem eu quero voltar todo dia, tipo às seis, sete, enquanto os dias melhores não vêm. Foi assim mesmo, com esse corpo moreno e pequeno, que dá a impressão de que vai se desintegrar todo se, pelas onze e pouco da noite, eu abraço você de conchinha e fico dizendo umas coisinhas pra te convencer que aquilo é amor, porque parece mesmo que a palavra "amor" perdeu o emprego. Idealizei sua boca, que alterna os beijos mais famintos e atrasados de vinte anos sem Dia dos Namorados, com suas dores de garganta, de dente e as aftas da sua língua seca e árida, além de mais trezentas ardências, mágoas, tonturas, atrofias, ciúmes ou qualquer sofrimento da terra que justifique a involuntariedade desse seu jeitinho dengoso, de menina pidona, carente, quase filha única. [...] Tem dias que eu me pergunto se alguém conhece outro alguém que ama alguém. Não, só sei de você - as pessoas me respondem, sabendo que te encontrei. Amo sim, antedigo. Porque eu não esperava te encontrar da mesma forma como te imaginei. E sei que você também não. Vai ver a gente se inventou pra sobreviver nesse tempo errado, onde só nós dois somos os certos.