Boneca. Sei que me mandou nunca mais chamá-la de "boneca", mas você também disse que jamais queria me ver outra vez, nem fantasiado de ursinho coala, e aqui estamos. Então fico meio sem baliza pra saber o que é ou não. Bem, sobre aquela loira. "Girafa-loira", certo, desculpe. Então, fui um idiota. Ok, ok, um "super-idiota". Mas não significou nada. Sério, não faz assim princesa, olha aqui pra mim. Você vai achar minha justificativa uma imbecilidade e talvez seja mesmo, mas vê se entende. Depois que beijei você, fui apresentado a um mundo novo, onde os poemas do Manuel Bandeira fazem sentido, até comprei um livro dele. Ponha-se no meu lugar, deu medo, é como se nosso amor fosse, tipo, a Sérvia, só que mais bonito. Me largaram lá, eu não sei a língua, os lugares, nada parece me pertencer, não sei como pedir frango a passarinho. Contigo é a mesma coisa, meu favo de mel. Ninguém nunca me ensinou sobre esses lances de romance, de paixão, mãos dadas, cinema no domingo. Meus pais me deram bons exemplos sobre divórcio, traição, beijo na testa. Sobre amor, meu pai me ensinou quase nada, apenas coisas como "nunca entre na casinha da piscina sem bater na porta" ou "25 posições pra comer sua secretária e ainda valer como ginástica laboral". Sei que machuquei você, mas pô, é a primeira vez em quase trinta que admito pro espelho que amo uma mulher, pequena. O caso é que eu me perco todo com esse lance de amor, me troco com esse teu jeitinho de passar por mim toda nervosa fingindo que nem me vê, emanando esse perfume de framboesa no pescoço, as panturrilhas mais sexy que já vi na vida cada passo mais distante, coisa mais linda de ver. Não sei quando o Noel Rosa fez aquele samba da estação, mas tenho certeza que a inspiração veio assistindo uma mulher da sua família, na gafieira. Perdoa, vai? Poxa, eu fiquei meio desesperado com esse caroço alojado aqui no diafragma, ainda mais quando uma amiga - feia, muito feia - disse que isso era amor. Por isso fiz aquela bobagem de beijar a loira aquela. Isso, "girafa-loira", aquela. Você tem sua parcela de culpa. Ninguém mandou ser assim, tipo a personificação da aurora boreal, com o sorriso mais desconcertante desde aqueles dribles do Garrincha em 62, sabe? Volta, pequena, não faz assim, bonequinha. A comida perdeu o sabor, não vejo mais graça nas minissaias na rua, não aguento mais meu violão chorando sempre que tento dedilhar um Verve. Mais uma chance e nunca mais confundo coxa com coxa. Hein? Olha aqui, flor de maracujá. Não precisa ser agora, mas pensa direitinho. Pensa: eu, seu cheiro e mais ninguém em casa, os móveis da sala dormindo enquanto a gente faz amor com os olhos, interrompendo todas essas proibições que você impôs a essa paixão ridiculamente boa. De consolo, ao se sentir idiota em se entregar, seremos dois idiotas apaixonados por aí. Depois de soprar o suor do seu nariz pequeno após nossa aulinha de sexo, prometo pegar um pedacinho de papel em branco e reescrever minha vida depois de misturar seu gosto no meu. Sei que demorei pra entender que além de especial, você é única, mas olha quanta frescura eu disse pra te convencer, pombas. Sério, se eu pudesse arrancava meu próprio braço e dava em mim. Só não te faço uma serenata de amor porque tua janela não dá pra minha calçada, só não aceito de novo a solidão porque nem a visão de nós dois juntos eu consigo arrancar de dentro de mim. Então, boneca? *** A serenata de amor: Rodrigo Amarante canta Noel Rosa - "Pela Primeira Vez".