quinta-feira, 21 de outubro de 2010


Ele estava ali, sempre. Se olhar mais atentamente, ainda deve estar. Escondido, por trás de alguma árvore antiga e de raíz espessa, observando o momento fatídico, em que você, invariavelmente, vai estar sem companhia alguma; solitária. Para este ser, apenas poder olhar você, já um grande feito. Ele assistiu à sua queda vertiginosa, no momento culminante em que você sorria com os olhos fechados, e gritava qualquer verso de uma canção batida, bem alto. Feliz. E de repente, ao chão. Viu sua ascensão, e também a presenciou rastejante, sem forças para levantar. Cavalheiro que é, até a ajudou. Ofereceu colo, seu paletó, afeto e qualquer outro mimo que a fizesse sentir menos deprimida e blasé, tudo porque ele realmente detesta a ver com os olhos lacrimejando e aquele semblante de menina ingênua que deveria estar feliz, e não está. O moço é bom, você pensa. Tem um coração de ouro. E então numa abertura encoberta de fraqueza da sua parte, ele aproveita. Começa a demonstrar amor até onde nem você, romântica e inventiva, imaginava que pudesse existir. As mensagens inesperadas no meio da tarde começam a aparecer, juntamente com algumas ligações para contar que almoçou massa carbonara, que você adora, e que viu aquele filme, que você recomendou. Sua palavra passa a ser quase uma ordem: você disse que adorava homens sarados, e lá está ele, matriculado e suado, na academia do bairro. Quando cita que ama morangos, ele chega com uma bandeja cheinha deles, e nem mesmo é época da fruta. Ele a acha inteligentíssima, e jamais discorda ou contrapõe suas opiniões - longe do subalterno bater boca com a abelha-rainha, não é verdade? Se pudesse, ele sairia por aí com uma camiseta, estampando você e com o honroso escrito logo embaixo "Fã número 1". Só falta segui-la na rua, ou vasculhar a sua vida na internet (se é que o maluco já não o fez).
No começo, é ótimo alguém que eleve o ego lá em cima, e a faça sentir gostosa e desejada, mesmo de pijama, coque, ou calça sarouel. Porém, como no caso dele tudo são flores e melação, e você é uma diva exótica e digna de tanto apreço, você enjooa. Vai deixando pistas sutis de que pra você, ele apenas foi uma ótima distração, que ele é uma pessoa maravilhosa, MAS agora não. Você curou seu coração com a distração que o rapaz proporcionou, enquanto para ele, toda essa admiração imensurável parece estar aquém de possíveis profilaxias. E o celular fica cada vez mais desligado, os recados e convites pairam no ar, enquanto ele não compreende como você pode deixar pairando por aí alguém que a admira tanto e acha a mais sexy dentre as mulheres da cidade. Alguém que pegaria o carro e a levaria para a praia, para o farol que você acha lindo, para ver as estrelas em cima do morro enrolada num cobertor. Alguém que a daria não só aquele brinco, como aquela blusa, aquele salto quinze, amor, carinho, cumplicidade e o mundo se possível. Que quer a apresentar para a tia que mora longe, para o avô que adora baixinhas e para a babá, que o criou desde pequenininho. Que quando você disse que adorava Canindé, cantou no violão, e quando comentou que estava lendo poesia, lhe dedicou um poema, num jantar entre amigos. Por fim, o trem que realmente deixou a desejar: que esqueceu de se colocar em primeiro lugar, e que acaba aceitando você mesmo ferida pelo machão que a dispensou com desculpas esfarrapadas. Que faz de você a razão da sua existência, e que às vezes, até de dá um certo medo - a cota de pessoas psicopatas aumenta significativamente, a cada dia.
Esse homem, com uma personalidade escassa, e tão pouca altivez, ainda assim, é um cara de se respeitar. Afinal, ser louco por alguém, e fingir cometer suicídio quando você diz que vai dar uma voltinha, sumir pra sempre e ser feliz, é tarefa para raros. O grande problema é que, o que em você estava regenerando, nele está em falta: amor próprio. Quem sabe quando alguma garota igualmente maluca por ele cruzar o caminho, ele reencontre sua hombridade viril, e sinta na pele o quanto pode ser devastador beijar os pés de quem não nos dá a mão na rua. Enquanto isso, ele segue sendo o divertimento cabível que você encontra, até achar algo melhor; condição que ele mesmo aceita, se dá e assina embaixo.
Cada um escolhe o papel que vai ocupar tanto na sua própria vida, quanto na alheia. Cãozinho, endoidecido ou subalterno, ele continua louco por você.