quarta-feira, 6 de outubro de 2010

"Tu insistias em pôr o indicador entre minhas sobrancelhas franzidas e eu, feito criança teimosa, não desfranzia a testa. Foram vezes muitas e, parando para pensar, imagino que tanto franzir tenha sido proposital só para sentir o toque, para esconder as palavras e as dúvidas e as perguntas que ficavam ali, naquele vinco, querendo muito questionar, mas deixando para lá. Com o tempo, fui desvendando a voz e deixei de marcar a testa, salvo em dias de muito sol e ausência de óculos escuros. Sempre pensei demais e você tava coberto de razão ao me dizer isso e te conto, de antemão, que a muito já desisti de tanto pensar e tenho vivido um dia de cada vez, aproveitando o máximo que dá, o máximo que me permito, que você permite. E respiro serena e tranqüila e perdi aquele vinco fundo entre os olhos, deixando, até, meu sorriso mais notável, mais claro e mais sincero. Decidi por não perder as estrelas dos olhos e alimento minha paz todas as noites, deixando que chova se assim tiver que chover, mas me abro pro mudo no instante que desfaço o aperto de mãos dos cílios dormidos. E vou sendo — até um tanto tua — porque ser é melhor que levar e ver a vida passar, mesmo que, por vezes, eu ainda tenha que soprar para longe as nuvens de desânimo que vejo surgir no horizonte. Perco o fôlego, confesso, mas as mantenho longe e continuo. Sem pensar. O impulso me guia e me indica direção e faço o que na hora calhar, sem pensar no depois. Desisti do amanhã quando soube que tanta testa franzida me deixaria velha precocemente e danço valsa enquanto caminho, só para alegrar o modo de andar. Vê, aprendi com tuas palavras mansas. Tua voz que sempre vinha ao ouvido mesmo que sem querer, tuas lições que fluíam fácil, escapando e tocando e eu fingindo não absorver... Eis que te vejo de testa franzida e olhar distante e fala arrastada e quero, também, tirar toda tua preocupação com a ponta dos meus dedos e jogá-las longe, onde contigo não terão vez. Mas não faço, porque não sei fazer. Não sei se devo fazer. Silencio e compartilho e deixo passar, deixo você disfarçar e seguimos, forjando novamente... "