quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011


Um barzinho. Pessoas para todos os lados. Pessoas rindo. Pessoas conversando. Bebida. Risadas. Pessoas vivendo. Confraternizando. Convivendo. Interagindo. Eu apenas sentado. Quieto. Observando. Fumando e bebendo. Não tinha saído pra paquerar muito menos pra caçar. Não estava procurando uma foda. Não estava procurando conversa. Não estava procurando interagir. Queria beber. Relaxar. Fumar. Relaxar. Sair dali, voltar pra minha casa e só isso. Mas não foi isso que aconteceu. Como sempre parece que a vida me testa, e que certas coisas me provocam pra saber se eu ainda estou vivo. Por mais frio que eu possa parecer, corre sangue Mexicano nas minhas veias. Sangue quente. Sangue que pulsa como um vulcão em erupção. E por mais que eu seja quente, corre gelo nas minhas veias. Paradoxo? Vocês não viram nada...

Estava apagando a bituca do cigarro, com a cabeça e olhar baixo, olhando fixamente pro cinzeiro, assim que levanto os olhos vejo a Desgraça na minha frente. Parada. Em silêncio. Me olhando. Acendo outro cigarro. Dou uma tragada forte. Solto a fumaça. O sangue pulsa e o ódio aparece pra me dar oi. Da boca da Desgraça começam a sair algumas palavras:
- Oi...
- ...
- Tá tudo bem com você? Quanto tempo, né?
- ...
- Sei, que você ainda deve me odiar, sei que você ainda...
Um garçom conhecido passa perto da mesa. Levanto, olho pra ele e peço:
- Reginaldo, trás a minha conta aí. Vou no banheiro, já volto aqui e pego, beleza?
- Claro, Dave, vai embora cedo hoje...
- Pois é...
Apago o cigarro como se fosse quebrar o cinzeiro ao fazer isso. A Desgraça continua parada, com aquela expressão falsa e dissimulada, querendo me fazer acreditar que doeu minha indiferença. Só mais algum jogo manipulador e maquiavélico de um ser vil e calculista. Nada além disso. A vacina pra esse mal, já tomei. O vírus não irá me contaminar novamente. Saio de perto da mesa e passo pra seguir em direção ao banheiro. Ela segura meu braço e diz:
- Fala comigo!
- Não che-ga per-to de mim sua VADIA PSICOPATA!!!
Tiro a mão dela do meu braço com truculência e faço cara de nojo por aquela puta maquiavélica ter me tocado. Um cara se aproxima com olhos arregalados, rosto vermelho, olha pra ela, colocando a mão em seu ombro e me diz:
- Tá louco, cara? Você não vai falar com ela assim na minha frente!
- Ah, não? Você vai fazer o que?
- Olha aqui, cara...
Me aproximo do protótipo de Ken da Barbie, mais um boneco criado pelo sistema, com suas roupas caras de grife, seu cabelinho cheio de gel e sua cara de merda e digo:
- Tô esperando, e aí, que que é mesmo que você vai fazer...Babaca!?
Ela coloca a mão no peito do otário e segura o choro. O cara passa mão na cabeça dela, a abraça, olha pra mim e diz:
- Isso não vai ficar assim!
Ela pede que ele pare, e ambos caminham em direção a uma mesa. Eles saem, com ele dizendo que não deixaria "aquele cara" tratá-la daquele jeito e que por tudo que ele sabia da história, ela não merecia e não merece ser tratada assim por ninguém. Nesse momento pensei: A versão contada por ela, com certeza é digna de melhor roteiro e deveria ganhar o Oscar. Psicopatas tem esse poder de contar histórias fantásticas e viver diversos tipos de personagens. No fundo eu apenas sentia pena daquele babaca, que acha que conhece aquela aranha punheteira, sugadora de alma e sentimentos. Bom, que ele faça bom proveito. Com o tempo, ele vai ver que uma loira de olhos verdes e bonita, pode ser mais horrenda que o pior dos monstros das trevas.

Fui para o banheiro. Entrei. Mijei. Estava lavando as mãos, e o Ken da Barbie entrou. Entrou e fechou a porta do banheiro com a chave. É... Aquilo já avisava que eu a noite não acabaria bem...
- Olha aqui, cara... A gente vai ter uma conversa. Eu sei quem é você e sei tudo que aconteceu entre vocês dois.
Sorri com desprezo e caminhei até o secador de mãos. Sequei as mãos. Peguei uma folha de papel toalha, terminei de secar pois queria sair dali rápido. Meu Demônio já gritava dentro de mim ao ouvir aquelas merdas que estava ouvindo e eu sabia que a porta da cela onde ele se encontra poderia ser aberta a qualquer momento e que meu Dark-Side viria a tona, mas parecia que aquele encontro já estava marcado. Joguei o papel no cesto de lixo e segui em direção a porta. Ele ficou de frente pra mim não me dando passagem. Pedi licença uma vez. Ele não saiu. Pedi licença duas vezes, ele não saiu. Pedi licença pela terceira vez e ele disse:
- Hoje você vai ouvir algumas verdades! E você não vai sair daqui antes de eu te falar tudo que tá entalado aqui! Por bem ou por mal. Mas você não vai sair daqui antes de ouvir tudo que eu tenho pra te dizer!
Por alguns segundos pensei: Quem esse merda, com cara de Engenharia da USP pensa que é pra achar que eu deveria ouvir verdades de alguém que nunca vi na vida? O que que esse merda tem na cabeça? Abaixei a cabeça, levantei, e sorri com escárnio:
- Sai da minha frente, e agora a educação acabou.
- Não vou sair.
- Ah, não?
- Não!
- Pois bem...

Cerca de uns 10 minutos depois, lá fora na rua, sentado na moto, já colocando o capacete, ouvia vozes altas, uma certa correria e pessoas afoitas andando pra lá e pra cá. Sorri de forma maléfica, desci a viseira, girei a chave, acelerei e fui embora. Já chegando na esquina, vejo um carro do Resgate dos Bombeiros, entrando em alta velocidade, indo em direção ao barzinho. Fiquei pensando:

- Será que aconteceu alguma coisa?